terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Trajes Típicos Piagas


Membros da religião piaga, com seus trajes típicos.

Trajes piagas feminino e masculino

Os trajes típicos utilizados pelos membros da comunidade piaga rrefletem um importante aspecto de sua identidade cultural e religiosa. Cada elemento do traje, desde as cores até os acessórios, possui um significado.

Itens como o chapéu de palha, os lenços ou a coroa de flores refletem a conexão com a identidade campesina. A predominância do verde reflete a conexão estreita com a natureza. No vídeo a seguir, conheça mais sobre os significados associados a cada elemento do típico traje Piaga.



Mulheres piagas com seus trajes típicos, durante celebração

quarta-feira, 1 de junho de 2022

Os peraltas Caboclinhos d'Água

 Esses seres são retratados como “duendes aquáticos”, elementais das águas descritos por ribeirinhos do Rio Longá, um dos grandes afluentes do Rio Parnaíba, no Piauí. Os caboclinhos d’Água são numerosos e vivem concentrados em bandos, especificamente nos rochedos da Serra do Canto do Inferno, às margens do rio, à altura do município de Buriti dos Lopes, norte do Piauí.

Ilustração retratando os Caboclinhos d'Água
da mitologia piaga. (Arte: Rafael Nolêto).

Segundo os relatos, eles são muito curiosos e peraltas. São baixinhos, de cabeça avantajada, com dedos das mãos e dos pés ligados por membranas, como os pés de patos.

São mergulhadores de grande fôlego, muito brincalhões. Alguns acreditam que os Caboclinhos d’Água tenham relação com o Cabeça-de-Cuia, mas estes seres nunca tiveram existência humana como Crispim, pois já nasceram encantados.

Também não há nenhuma referência à necessidade de devorar “Marias”, como na lenda do Cabeça-de-Cuia. Eles são duendes das águas, muito amigáveis.

Suas peraltices são sempre com intuito de proteger seus domínios e, por isso, costumam atazanar os pescadores na época de desova dos peixes, contando com a ajuda de piranhas para rasgar redes de engancho prejudiciais aos peixes. Como oferendas, aceitam frutas e doces. Suas cores são o azul, rosa e o amarelo.


Quem são os Caruanas?

 Os Caruanas são encantados que se manifestam especificamente na região amazônica. As referências sobre esses seres vêm da Pajelança Marajoara, culto mágico com raízes indígenas, praticado na grande Ilha de Marajó (PA).

Antes da chegada dos europeus, entre os anos 400 a 1400 da Era Comum, os povos nativos que viveram na região da Ilha do Marajó tinham uma cultura muito rica e uma espiritualidade envolta por magia. Dentre as heranças deixadas por esses povos, existe até hoje a crença e o culto aos Caruanas, espíritos encantados que habitam sete cidades escondidas no fundo dos enormes rios do lugar.

Ilustração de evocação
a um espírito Caruana.

Segundo essa crença, apesar de viverem nas águas, os Caruanas têm a capacidade de vir ao nosso mundo através dos pajés ou disfarçados em formas de animais. Nos cultos de pajelança marajoara, eles vêm com o propósito de realizar curas e limpezas espirituais nos consulentes. Em relação às curas, os Caruanas sempre as realizam utilizando elementos da própria natureza, como pedras e minerais, plantas, banhos e defumações.

Com os processos de miscigenação cultural ocorridos no Brasil ao longo dos anos, no período contemporâneo é possível identificar dois tipos de pajelança: a pajelança indígena e a pajelança cabocla. 

A pajelança indígena seria aquela praticada pelos povos indígenas, no contexto das aldeias, onde o pajé costuma ser uma das autoridades mais importantes (juntamente com o cacique). Enquanto isso, a pajelança cabocla seria uma forma mais miscigenada de pajelança, onde é possível identificar elementos indígenas e algumas características multiculturais. No caso da pajelança cabocla, costuma ser praticada por não-indígenas, fora do contexto das aldeias.

Escultura do Baba Tayandó na Vila Pagã (Piauí)

Na região metropolitana de Belém (PA), durante algumas décadas, o sacerdote Luiz Tayandó (Baba Tayandó) manteve o culto aos Caruanas, até pouco tempo antes de sua passagem em novembro de 2018. Mestre Tayandó, como eu costumava chamá-lo, dizia que os Caruanas vinham à Terra para realizar curas e desmanchar trabalhos maléficos de magia. Em suas práticas de pajelança cabocla, como parte de seus ritos com os Caruanas, ele costumava utilizar essencialmente o toque do maracá, a água e a defumação com ervas.

Segundo Tayandó, o mundo submerso dos Caruanas era envolto por muito chuvisco e neblina constante. Por conta disso, o maracá era tocado para imitar o som da chuva, enquanto a defumação imitava a neblina do Reino do Fundo, criando a ambientação favorável para que os Caruanas pudessem se manifestar em nosso plano. 

Caruana Araguará
Na região marajoara, uma das difusoras da pajelança cabocla é a Pajé Zeneida Lima, que escreveu livro  sobre o tema e até já foi homenageada com um samba enredo da escola Beija Flor, no carnaval do Rio em 1998. De acordo com Zeneida, os Caruanas são classificados como seres espirituais da natureza, habitantes das águas, podendo interagir com os homens através das práticas de pajelança.

Segundo a crença difundida na pajelança, todas as doenças podem ser curadas com a ajuda dos Caruanas, desde que seja identificada e tratada antes de se desenvolver. Depois que a doença toma conta do corpo, é mais difícil realizar a cura. 


De toda forma, os Caruanas costumam ser evocados para que sua vibração possa agir no corpo físico e espiritual do enfermo. Existem muitos Caruanas vivendo no fundo das águas dos rios amazônicos, mas nem todos são conhecidos ou interagem com os homens.

Para entender melhor sobre a função e a origem de cada Caruana, é preciso conhecer um pouco da mítica marajoara. Segundo essa mitologia, o mundo primordial era formado apenas por água e nada tinha cor.

No princípio, tudo estava sob o comando do Girador, o "criador divino" representado como um "pote de barro" de onde se originou a vida. O Girador determinou que Auí construísse sete cidades para viver com seu povo. Como regra, o Girador determinou que Auí não poderia olhar o rodamoinho que se formaria durante a criação.

Descumprindo as recomendações do Girador, Auí olhou para o rodamoinho e viu nele a mesma matéria da qual o Girador era formado. Ao se ver diante de todo aquele poder, Auí se deixou dominar pela ambição e mergulhou no pote de barro de onde vinha a energia criadora.

Caruana Beija-flor

Pela sua desobediência, Auí foi punido pelo Girador, tendo sua cabeça partida e transformada nos três reinos: animal, vegetal e mineral. Todo o povo de Auí foi transformado em Caruanas, poderosos seres mágicos que passaram a habitar o mundo encantado do fundo das águas.

Por meio das obras e relatos da Pajé Zeneida, tomamos conhecimentos dos nomes de alguns Caruanas. É importante lembrar que, além dos Caruanas mencionados por Zeneida, existem muitos outros Encantados que podem ser categorizados como Caruanas, pelo fato de se transmutarem em animais. Cada praticante de pajelança tem os Caruanas e Encantados específicos com os quais costuma trabalhar.


O que são Diabretes?

Diabrete Bundeiro,
descrito na mitologia piaga.

Considerados espíritos travessos ou de má índole, os Diabretes são criaturas geralmente de origem não humana, mas também podem ter surgido a partir de humanos amaldiçoados e transformados em bestas.

Podem se manifestar de diferentes maneiras, desde sinais sonoros até formas de visagens ou criaturas com aspectos bestiais.

Os diabretes também podem ser evocados por feiticeiros piagas, com o intuito de efetivar ataques mágicos contra desafetos ou até mesmo auxiliar em tarefas domésticas. A Mãozinha Preta, por exemplo, é um tipo de diabrete que pode perturbar ou pode ajudar, dependendo da relação que se estabelece com a mesma.

Quando avaliamos o padrão de comportamento dos diabretes, encontramos traços semelhantes aos descritos em algumas histórias de fadas e elementais, mas também encontramos traços que os tornam semelhantes a entidades demoníacas. No piaganismo, os consideramos uma categoria própria de espíritos.

Alguns dos diabretes descritos na mitologia piaga são: o Fura-pés, a Mãozinha Preta, a Perna Cabeluda, os Galináceos da Apertada Hora, o Pinto Pelado, o Bundeiro e o Morou.

Pé de Pato, diabrete que surge sempre
no período carnavalesco, descrito
na mitologia piaga.



Você sabe o que são as Almas Penadas?

 

Comedora de Miolos, alma penada
descrita na mitologia piaga.

Na feitiçaria piaga, as entidades classificadas como “Almas Penadas” não costumam causar grandes danos físicos aos mortais, mas podem provocar belos sustos e atormentar o juízo de qualquer um, causando danos psicológicos. Alguns feiticeiros podem adotar almas penadas como aliadas, a quem recorrem e dedicam oferendas em troca de favores.

Como o próprio nome diz, essas entidades são apenas espíritos presos às suas “penas”. São almas que podem surgir para punir, para pedir ajuda ou para evitar que a pessoa que a vê padeça de suas mesmas penas e provações.

Nas práticas de feitiçaria piaga, essas almas podem ser evocadas para perturbar inimigos, provocar bagunça e gerar conflitos. Por esse motivo, é bom conhecer as mesmas e saber como se proteger de ataques do tipo. Vale lembrar que as almas penadas são apenas espíritos errantes, mas não são entidades necessariamente más.  Muitas são evocadas para punir infratores ou para proteger vítimas de malfeitores.

Algumas das almas penadas descritas no Piaganismo são: a Num-se-pode, a Escrava Luminosa, a Negra Serrada, a Moça sem dedo, a Comedora de Miolos, o Cavaleiro Fantasma e a Mulher de Branco. 

Negra Luminosa, Alma Penada
descrita na mitologia piaga.


A Feiticeira de Sete Cidades

No Parque Nacional de Sete Cidades, centro-norte do Piauí, existe uma imensa rocha que lembra o formato de uma cobra. Algumas pessoas da região acreditam que aquela formação surgiu a partir de uma feiticeira que foi transformada em serpente e petrificada.

Pedra da Biblioteca | Foto: Bertha Maakaroun/em/d. a press

A rainha feiticeira era conhecida por passar por cima de todos para conseguir o que desejava. Certa vez, por despeito, tentou enfeitiçar a princesa de uma das cidades encantadas da região, transformando-a em pedra. Porém, o feitiço virou contra a feiticeira e, não apenas a princesa, mas tudo ao redor foi petrificado, inclusive a própria feiticeira.

Também no Parque, logo abaixo da pedra em formato de cobra, há uma formação rochosa conhecida como “biblioteca”, por apresentar traços e fissuras que lembram pergaminhos. Dizem que ali era a biblioteca de livros mágicos da feiticeira.

Feiticeira de Sete Cidades
Ilustração: Rafael Nolêto
Para desencantar a feiticeira e as cidades petrificadas, uma pessoa de coração puro deve, ao passar pela primeira vez no Arco de Pedra do Parque, pedir para que todas as maldições ali existentes sejam quebradas.

A Feiticeira piaga de Sete Cidades tem domínio sobre a arte da magia ancestral, feitiçaria e conhecimentos ocultos. Ela é uma entidade que atua “petrificando” situações ou pessoas, fazendo com que os inimigos fiquem paralisados diante dela e os deixando sem armas para atacar.

Quando agradada, ela confere força e proteção. Em seu aspecto negativo, é capaz de atuar causando apatia, “esfriando” relacionamentos e instigando separações. Para “petrificar” algo ou alguém, faça o seguinte: pegue uma pedra escura, escreva o nome da pessoa de um lado e o selo da feiticeira do outro lado. Em uma lua minguante ou nova (ou numa ocasião de eclipse), acenda uma vela preta por cima e deixe queimar até o final (nunca dentro de casa). Depois enterre tudo numa mata e coloque pedras por cima, recitando a conjuração a seguir, lembrando de falar seu pedido

Para conjura-la, o praticante pode lhe ofertar velas roxas, pedras pintadas com seu sigilo, vinho tinto, cachimbos ou fumo de rolo, fogueiras ou vassouras feitas com maços de erva vassourinha (Scoparia dulcis), amarradas com fitas roxas e vermelhas, penduradas em galhos de árvores.


Conjuração da Feiticeira de Sete Cidades, para alcançar propósitos

“Poderosa Feiticeira das sete cidades de pedra.

Tu, que ata e desata, que paralisa ou move,

que sacode o maracá e faz o céu relampear.

Senhora das pedreiras,

A ti clamo com minha voz e conjuro seu poder!

Remove as pedras do meu caminho

E guia-me na trilha da vitória!

Senhora das rochas milenares,

Fazei-me forte e ajuda-me com tua magia ancestral!

Aweté! Aweté! Aweté!”


A Bruxa de Évora no Culto Piaga

Não se sabe exatamente como o culto da Bruxa de Évora chegou ao Piauí, o que se sabe é que atualmente ela é uma figura bastante conhecida entre praticantes de magia de todo o Brasil. Como uma boa bruxa, ela costuma ser bem eclética e se manifesta em diferentes contextos religiosos: no catimbó, na umbanda, no terecô e, claro, no piaganismo.

Bruxa de Évora
Ilustração: Rafael Nolêto
Conhecida também como “Lagarrona” ou "a Moura Torta", ela é uma figura enigmática, especialmente pela falta de registros confiáveis sobre sua existência. Pela falta desses registros, a Bruxa de Évora não pode ser considerada uma figura histórica, mas não deixa de ser uma bruxa mitológica cuja magia permanece viva na memória e nos cultos que atravessam séculos.

Segundo a escritora Maria Helena Farelli, a Bruxa de Évora teria vivido em Portugal, na época em que reinou o primeiro monarca português, Dom Afonso Henriques, que nasceu em 1109 e morreu em 1185.

Évora é uma referência à cidade de mesmo nome, local onde a bruxa viveu e praticou suas artes mágicas. Este nome possui origem etimológica proveniente do celta antigo “ebora” ou “ebura”, formas plurais do termo “eburos”, que significa teixo. Eburra, então, seria uma referência aos bosques de teixos existentes naquela região. Há também quem defenda que o termo Évora deriva do árabe يعبره (yueabiruh), que significa “atravessar” ou ليعبر (liuebur), que significa “cruzar”.

Uma das principais menções à Bruxa de Évora ocorre no famoso Livro de São Cipriano, onde é relatado o encontro que o velho feiticeiro teve com a bruxa moura. Se formos considerar o relato ao pé da letra, chegaremos à conclusão que está repleto de inconsistências históricas, pois Cipriano viveu entre os primeiros cristãos e Portugal surgiu como nação muito tempo depois, por volta de 1093. 

Particularmente, acredito que este encontro não ocorreu na época e no local relatado na maior parte dos livros de São Cipriano, mas sim em alguma região do Oriente Médio, provavelmente na Babilônia, berço de muitos ocultistas. Sob essa perspectiva, considero que Cipriano possa realmente ter encontrada a “Bruxa de Évora”, mas na Babilônia, em meados do Século III, talvez nos anos 200 da Era Comum. 

Sendo uma contemporânea do bruxo Cipriano, faz mais sentido que o nome Évora derive do árabe e esteja ligado às passagens e encruzilhadas, locais de grande poder mágico. Na época em que Cipriano viveu, Évora ainda era uma cidade sob o domínio romano, chamada Ebora Liberalitas Julia, cuja conquista ocorreu em 57 d. E. C. 

Ao avaliarmos essas possibilidades, podemos especular que tanto a Bruxa de Évora como o Bruxo Cipriano foram personagens que existiram numa mesma época, mas cujos relatos migraram e – ao longo dos séculos – se mesclaram, sendo influenciados pela memória dos povos que os difundiram pela Península Ibérica. 

Deixando as teorias e especulações históricas à parte, prosseguimos considerando que a Bruxa de Évora manifesta sua energia entre os praticantes da feitiçaria, em diversos segmentos, e isso é o que nos basta pra ter fé nesta poderosa e misteriosa entidade.

Considerada a grande sábia, conselheira, poderosa e temida figura feminina de sua cidade, a Bruxa de Évora era conhecedora das magias e segredos do oriente médio, aquela que dominava como ninguém a magia árabe, a cartomancia, a oniromancia e as incontáveis rezas que utilizava para os mais variados fins. Falava três idiomas - o árabe, o latim e o português - e dizem que ela (em sua versão portuguesa) utilizava até mesmo o alcorão de forma mágica. Seus animais de poder são o gato preto, a coruja e a cabra preta, que lhe faziam companhia.


No Brasil, a Bruxa de Évora se manifesta até hoje, através de médiuns que a incorporam. Quando essa entidade se acosta, traz seus conhecimentos para auxiliar em casos de amor, desmanchar feitiçarias, quebrar maldições, trazer prosperidade, abrir os caminhos e tantas outras causas.

É uma das entidades mais poderosas e versáteis dentro das práticas de feitiçaria piaga, se manifestando geralmente como uma velha sábia, às vezes dando gargalhadas que se arrastam pelo ar, mas sendo sempre bastante assertiva e respeitada. 

Como oferendas, a Bruxa de Évora recebe vinho tinto, vodka, cachaça, frutas, chás, café, charuto, fumo de rolo, cachimbo, penas, chifres, moedas e artefatos mágicos. Aqui reproduzo o selo que é utilizado para evoca-la, na tradição piaga. Pode ser gravado em pedra, madeira ou metal. No chão, pode ser riscado com giz e devem ser colocadas sete velas roxas acesas, sendo uma em cada ponta do triângulo maior, e uma em cada Tridígito (“pé de galinha”).